A cidade de Santa Maria gasta anualmente cerca de R$ 25 milhões para coletar e descartar os resíduos gerados na cidade. Os contratos atuais são de R$ 5,9 milhões com a coleta conteinerizada, R$ 11,5 milhões para a coleta convencional e outros R$ 8,5 milhões para destinar o resíduo ao aterro sanitário municipal. Porém, o que se discute é a possibilidade de diminuição desse valor com a implementação de uma coleta seletiva eficiente.
Nesta forma – ainda distante de ser aplicada – o volume de resíduo seria minimizado, uma vez que parte dele se trata de materiais recicláveis que iriam para a coleta seletiva, e deixariam de ser enterrados pela eternidade no aterro sanitário. Assim, diminuindo o volume enterrado, e o valor pago para aterrar. Porém, o sonho santa-mariense da implantação ainda esbarra na regulamentação das associações de reciclagem, e num projeto eficaz para a coleta seletiva.
Na visão do procurador do Ministério Público do Trabalho, Alexandre Marin Ragagnin, em fala no evento promovido pelo Comitê do Meio Ambiente desta sexta-feira (26), caso 30% do volume descartado no aterro seja possível de reciclar, a cidade de Santa Maria estaria enterrando R$ 6 milhões por ano.
Valor que também é tirado dos catadores, que deixam de coletar e lucrar com estes materiais. Considerando as cerca de mil famílias que atuam como catadores na cidade – com base em um levantamento feito pelo Ministério Público do Trabalho em novembro do ano passado -, estima-se que a cidade ainda economiza R$ 4,6 milhões de reais por ano, por conta do trabalho da reciclagem.
– São R$ 4,6 milhões que os catadores economizam para os cofres da prefeitura, então a nossa dívida e o nosso passivo [com os catadores] é enorme – afirma o ambientalista Homero Boucinha, do grupo de trabalho Simbiose.
O Executivo municipal já traçou como objetivo o lançamento de um contrato de coleta seletiva após o edital de coleta conteinerizada e convencional, que deve sair até o dia 31 de agosto. A ideia ainda está sendo elaborada, mas deve ser lançada por meio de um contrato exclusivo, contando com ecopontos nas escolas e uma estrutura que dê conta de coletar o material reciclável e destinar para as associações, diferente da última tentativa da prefeitura, com os contêineres laranja.
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Segundo evento do Comitê do Meio Ambiente
Nesta sexta-feira (26), o Comitê pelo Meio Ambiente se reuniu pela segunda vez na sede do Grupo Diário, para um bate-papo sobre reciclagem e coleta seletiva. A ocasião contou com a presença de 70 convidados, entre eles oito associações ligadas à temática. Além de representantes da prefeitura de Santa Maria, da Câmara de Vereadores e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Franciscana (UFN) e Instituto Federal Farroupilha (IFFar).
O evento também recebeu como palestrantes o catador e membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Alexandro Cardoso, e a professora e coordenadora de projetos de extensão Simone Bochi Dorneles.
O QUE DISSE ALEXANDRO
Alexandro discursou por 20 minutos sobre sua experiência como catador, a importância da coleta seletiva e a realidade de Santa Maria. Para ele, o trabalho dos catadores é fundamental, mas é feito de maneira vergonhosa e poderia ser regularizado.
O palestrante destacou que encontros como esse são importantes para conectar as entidades públicas com a causa. Ele afirmou que os catadores são esquecidos pela sociedade e muitas vezes são vítimas de preconceito. Alexandro também levantou a questão da coleta seletiva e questionou a prefeitura sobre uma implementação eficaz no município.
– A prefeitura diz que não tem recursos para fazer, eu me pergunto qual projeto foi apresentado, qual equipe foi formada para pensar sobre isso e quantas reuniões fizeram com os catadores. É preciso começar a planejar, pensar na questão do valor e na questão social, porque não é só reciclar, é gerar trabalho – ressalta.
O catador também comentou que a cidade está tomada por um contexto de mini-lixões. O sistema fechado de gerenciamento de resíduos faz com que a população misture todos os rejeitos e os deposite em contêineres.
– Os catadores vão lá separar o material reciclável e as pessoas ainda brigam com eles. Devemos nos conscientizar que a indústria recicladora é perversa, ela fica com 90% da riqueza dos resíduos. É preciso que a sociedade se coloque no lugar dessas pessoas e tenha mais empatia – elucida Alexandro.
PARTICIPAÇÃO DE SIMONE
A professora do Instituto Farroupilha também teve espaço para compartilhar seus trabalhos e pesquisas. Simone conduz projetos junto às seis associações de catadores do Vale do Jaguari e afirma que o trabalho com esse público é muito importante, visto que eles são marginalizados pela sociedade e também pela academia.
A experiência de trabalho tem sido transformadora, segundo a coordenadora, mas além dos momentos de satisfação também há muitas situações de tristeza, pois o cenário dos catadores na região é de abandono.
– O abandono é a pior coisa que o ser humano pode fazer com o outro e o que eu encontrei foi lamentável e me causou muita indignação. Me pergunto como convivemos tão passivamente com isso – comenta.
Simone explica que o trabalho de extensão veio para tentar aproximar a comunidade e o governo com os catadores. Para ela, é primordial que os órgãos públicos olhem para as associações e auxiliem com recursos financeiros.
– Despesas como luz e água são altíssimas e os catadores não conseguem pagar por falta de ajuda do Poder Público. Isso não deve ser visto como um custo, mas sim como processo educacional e como compromisso popular – destaca.
A professora também relatou que é preciso pensar de forma conjunta para dialogar com a sociedade e transformar o processo de educação. De acordo com Simone, a população cobra dos catadores a coleta seletiva e isso é muito perverso.
– Temos muito o que avançar para resolver essa problemática. Algumas ideias simples podem ser implementadas como colocar o telefone das associações nos contêineres para promover esse contato entre os catadores e o público – sugere a coordenadora.
*Colaborou Rebeca Kroll
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O QUE DISSERAM AS ENTIDADES
Alexandre Marin Ragagnin, procurador do Ministério Público do Trabalho
– Santa Maria é uma das poucas cidades que não tem convênio ou contratação com cooperativas ou associações de reciclagem. Nós, enquanto sociedade, precisamos pensar em formas de inclusão para proteção do meio ambiente e das famílias de catadores.
Guilherme Schneider, vice-presidente do Sindicado da Indústria da Construção Civil (Sinduscon)
– Toda obra necessita ter um termo de compromisso de gerenciamento de resíduos, como uma forma responsabilizarmos por essa geração e de saber para onde vai os resíduos gerados pelas obras.
Homero Bolsinha, ambientalista e integrante do grupo de trabalho Simbiose
– É necessário que tenhamos orgulho de viver em Santa Maria, que tenhamos uma proposta para a coleta seletiva, porque é uma vergonha não termos. Os catadores economizam para os cofres da prefeitura R$4,6 milhões por ano. Nós podemos resolver isso, de forma efetiva, mas basta querer resolver.
Marcus Vinicius Barbosa Nunes, da cooperativa de Resíduos Inservíveis Reciclados (CRIR)
– A parte ambiental é nossa vida, devemos entender que o catador não tem a obrigação de pensar em todos os âmbitos da reciclagem. Deve-se ter processos de inovação, para que eles vejam que vale a pena trabalhar ali, tirar o sustento da sua família. A reciclagem tem que ser feita por parte do ser humano, em casa, antes de chegar nos contêineres.
Margarete Vidal, recicladora da Associação dos selecionadores de Materiais Recicláveis (Asmar)
– Quando viemos falar sobre resíduos não falamos apenas sobre a Associação, mas com todos os catadores de Santa Maria. Não é só sobre a sobrevivência dos catadores, mas sim das famílias que estão por trás de nós. Ninguém nasceu para ser catador, mas somos levados a isto. Nós não somos problema, nós somos solução.
Ricardo Diaz, vice-presidente do Sindicado dos Logistas do Comércio (Sindilojas)
– A gente entende que é possível, que o comércio e os empresários são responsáveis e podem participar de todo esse processo. Nossas propostas viáveis seriam a criação de uma cooperativa municipal ou regional de resíduos sólidos e a educação e fiscalização que englobe escolas, empresas, indústrias e instituições públicas.
Marli Rigo, ex-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL)
– Acho que a falta de conhecimento, de colaboração [com os catadores] é pior do que a dificuldade econômica. A gente precisa começar essa cultura de cooperação dentro das nossas casas, separando dignamente o material. Vamos juntos fazer as coisas acontecerem pelo melhor e para as pessoas que tiram dali o sustento de suas famílias.
Teresinha Aires Domingues, coordenadora da Associação de Reciclagem Seletivo Esperança (Arsele)
– Não adianta ter um comitê, mas não dar voz aos catadores. Apenas nós sabemos o que passamos, o que vivemos no dia a dia. A Arsele é uma grande família, temos ao todo 49 famílias agregadas ali. Nós vendíamos 7 toneladas na época da coleta seletiva, e agora a gente só vende 2 toneladas. A gente é feliz, mas a gente sonha com 3 refeições por dia.
Paulo Roberto Morais da Silva, catador da Associação Noemia Lazzarini
– Eu comecei trabalhar com 7 anos de idade, recolhendo ossos, enfrentando a rua como catador. Não é brincadeira, saímos de casa no clarear do dia, recolhemos 6 mil toneladas de material reciclável e que não vai pro aterro. Porém, isso não é pago para a gente, existe uma dívida conosco.
Lidiane Jaques, presidente da cooperativa União dos catadores e catadoras de Cruz Alta (Unicca)
– Temos uma cooperativa de catadores com 45 cooperados, uma conquista de anos de luta. A gente sabe que precisamos evoluir, mas temos que seguir esse trabalho, os catadores precisam receber por isso, pelo seu serviço, pois eles fazem o serviço mais bem feito e menos bem pago.
*colaborou Tatiane Paumann
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